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Un rêve plus long que la nuit

Róisín Tapponi
3 de Abril de 2025

A icónica artista feminista Niki de Saint Phalle explora a perversão do género do conto de fadas na sua primeira e única longa-metragem a solo, Un rêve plus long que la nuit. Uma delícia fantasmagórica, que narra uma história de encantar para mulheres adultas, repleta do desespero nascente, da raiva, da culpa e da vergonha enterrados em todas nós. Embora o filme faça referência ao contexto político específico do fascismo do pós-guerra, transcende este tempo e lugar ao orbitar em torno de uma experiência universal: uma criança que se confronta com um mundo repleto de sexualidade. Isto é, como se o mundo fosse uma paisagem onírica de Niki de Saint Phalle; nela, seguimos Camélia, uma rapariga a quem foi concedido o desejo de se tornar mulher, numa busca surrealista pelo amor romântico. Os seus encontros ficam aquém do esperado, ao deparar-se ao invés com padres corruptos, haréns depravados e a adoração totémica de esculturas fálicas. Mas há muito mais no filme do que pénis a explodir: Un rêve plus long que la nuit é uma visão única apresentada com a criatividade singular de uma artista que — especialmente no panorama atual, repleto de filmes produzidos corporativamente para streaming —, se torna impossível de não amar.

O filme é talvez mais marcante pela sua cenografia e espacialidade, que só um escultor poderia evocar. Como artista, Sant Phalle é mais conhecida pelas suas esculturas, muitas vezes figurativas, vivas e voluptuosas, que reivindicaram o lugar central das suas retrospetivas apresentadas no MoMA PS1 (2021) e no Guggenheim Bilbao (2015). Esculturas gigantescas também dominam o universo onírico do seu filme, que inclui uma estrutura cinética de Jean Tinguely, marido de Saint Phalle. O uso da câmara é extremamente minimalista; é a mise-en-scène, juntamente com desenhos ocasionais em stop motion e outros objetos em papel, que compõem as impressionantes imagens que tornam esta obra tão memorável. Este palco único compensa tudo o que, de outra forma, faltaria ao filme ao nível cinematográfico e confere-lhe uma textura específica, um capricho e uma teatralidade semelhantes aos de La Belle et la Bête (1946) de Jean Cocteau, Daisies (1966) de Věra Chytilová, Peau d’âne (1970) de Jacques Demy, ou, para além do cinema, Penelope, uma peça concebida por Leonora Carrington e dirigida por Alejandro Jodorowsky, encenada pela primeira vez na Cidade do México em 1957.

Quase no início do filme, há uma leitura de tarot, à semelhança da cena de abertura de Cléo de 5 à 7 (1962), de Agnès Varda. A partir daí, uma espiral descendente de pesadelos começa a materializar-se na vida outrora perfeita da jovem rapariga. O seu pai morre; e o pai era central para a sua felicidade, como o demonstram as cenas idílicas e bucólicas de papagaios a voar, passeios em parques de diversões e presentes cuidadosamente embrulhados. Isto marca uma mudança em relação ao caleidoscópico Daddy (1973) de Peter Whitehead, protagonizado por Saint Phalle e baseado nas suas experiências reais de incesto. (Saint Phalle também aparece em Un rêve plus long que la nuit, interpretando uma magnética dona de bordel; a sua filha, Laura Duke Condominas, interpreta a Camélia mais velha.)

Esta é uma história de embalar de ambiguidade moral, deslizando constantemente entre o sonho e o pesadelo. Vemos Camélia de olhos arregalados, ao testemunhar um ato sangrento e violento, e depois a saltar alegremente para o plano seguinte. Este espaço constitui o recreio existencial da abordagem de Saint Phalle à vida e à criatividade. Nas suas memórias, escreveu: “[O meu] trabalho e a minha vida [são] como um conto de fadas repleto de missões, dragões malvados, tesouros escondidos, mães devoradoras e bruxas, a ave do paraíso, a boa mãe, vislumbres do paraíso — e descidas ao inferno.”

Este feito orgásmico em estranheza feminista pode ser apreciado graças a um recente restauro 4K, utilizando a câmara original de 16mm e os negativos de som, pela Niki Charitable Art Foundation.

Róisín Tapponi
Róisín Tapponi (n. 1999, Dublin) é uma escritora e programadora de cinema que vive em Londres. É fundadora da Shasha Movies, plataforma independente de streaming de filmes e vídeos de artistas do Sudoeste Asiático e do Norte de África. Já fez curadoria de programas de cinema para The Academy, MoMA, 52 Walker St. David Zwirner, e-flux, Anthology Film Archives, Film Forum, Metrograph, Frieze, Chisenhale Gallery, Art Jameel, entre outros. Concluiu um doutoramento em História da Arte na Universidade de St. Andrews.

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