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Strange Days

Róisín Tapponi
31 de Maio de 2025

Abrindo com uma das melhores sequências de ação de todos os tempos, filmada com recurso ao plano subjetivo [que permite que o espectador veja uma cena do ponto de vista de um dos personagens], Strange Days reforça a reivindicação frequente de que Kathryn Bigelow é uma das melhores realizadoras de ação de Hollywood. Antes mesmo de Grand Theft Auto ter sido inventado, Bigelow trouxe para o ecrã uma sofisticada perspetiva de tiro na primeira pessoa, repleta de adrenalina. Desde tiroteios a acrobacias de carros de luxo e cenas de luta de suster a respiração, o filme executa uma série de cenas de ação com um estilo imaculado. Contudo, embora as cenas de ação sejam importantes, não são elas que definem esta obra. Na sua essência, Strange Days é um thriller cyberpunk — protagonizado pela santíssima trindade: Angela Bassett, Ralph Fiennes e Juliette Lewis — com uma roupagem apocalíptica de fim de século que antecipa o lado mais negro da realidade virtual e da tecnologia viciante.

O filme passa-se perto do dia 31 de dezembro de 1999: o caótico limiar do epílogo da Terra, repleto de sentimentos avassaladores de desgraça, semelhantes aos que assolam o século XXI — embora o verdadeiro horror da vida seja o facto de ela continuar a andar, a repetir-se num fim sem fim. Blockbuster proto-Wachowski surgido na senda de Demolition Man (1993), Virtuosity (1995) e Johnny Mnemonic (1995), Strange Days aborda muitas das questões que assolam a nossa distopia tecnológica atual. O que acontece quando as memórias deixam de poder desvanecer-se? Que razão existe para se viver numa sociedade à beira do colapso, quando o abraço caloroso da nostalgia seletiva pode ser repetido e vivido vezes sem conta?

Em Strange Days, o apocalipse é representado como um acontecimento lento de frio declínio. É uma noite perpétua iluminada pelo Néon Punk, com discotecas como zonas de guerra e abuso de substâncias, e motins raciais como pano de fundo. Ralph Fiennes serve de modelo a Bradley Cooper, Juliette Lewis canaliza a sua PJ Harvey, e Angela Bassett usa as suas tranças como arma durante uma sequência de luta. É um estranho vale de gangster rap, obsessão por armas e vício em adrenalina, onde a violência se encontra em todos os sítios onde se espera encontrá-la. Strange Days arde em estilo, aspirando à euforia de uma mensagem social sob a forte influência da tecnologia — como se de um alucinogénio se tratasse.

O filme não é apenas uma experiência sensorial. Há um enredo robusto centrado na tecnologia de reprodução e na realidade virtual, que gira em torno de um dispositivo fictício chamado SQUID (Super-conducting Quantum Interference Device), que pode ser usado pelo utilizador para literalmente — e ilegalmente — habitar uma gravação de memórias e sensações de outra pessoa, como se fossem suas. Muitos clientes utilizam o SQUID para experiências de prazer sexual. A sensação de se ter o cérebro frito é boa, mas depressa se torna viciante. (Soa a algo familiar?) Consumir constantemente as memórias de outras pessoas altera o sentido de si do utilizador, sugerindo dilemas mais amplos de voyeurismo e de mercantilização da experiência humana. O filme interroga a nossa cumplicidade moral enquanto clientes das sensações baratas e do escapismo vulgarizado, que nos tornam em cidadãos que caminham entorpecidos ao lado da decadência e da violência diárias nas ruas.

Hoje, a ideia de se experienciar a perspetiva de outra pessoa, emocional e sensorialmente, está a tornar-se mais tangível. Embora a tecnologia neural esteja ainda a dar os primeiros passos, estão a surgir interfaces cérebro-computador (por exemplo, Neuralink) e os auscultadores de RV/RA estão a tornar-se uma tendência. O receio de que as experiências pessoais possam ser registadas, mercantilizadas e transformadas em armas reflete uma paranoia moderna da privacidade, numa era de big data, reconhecimento facial e vigilância por IA. No entanto, a nossa imagem contemporânea da distopia é menos decadente, mais polida e algorítmica, sendo impulsionada pelos smartphones, pelo capitalismo de vigilância e pela manipulação silenciosa, em vez do caos evidente. Strange Days é um filme que prevê um futuro perigoso associado à tecnologia virtual avançada — num mundo que está cada vez mais desconectado.

Róisín Tapponi
Róisín Tapponi (n. 1999, Dublin) é uma escritora e programadora de cinema que vive em Londres. É fundadora da Shasha Movies, plataforma independente de streaming de filmes e vídeos de artistas do Sudoeste Asiático e do Norte de África. Já fez curadoria de programas de cinema para The Academy, MoMA, 52 Walker St. David Zwirner, e-flux, Anthology Film Archives, Film Forum, Metrograph, Frieze, Chisenhale Gallery, Art Jameel, entre outros. Concluiu um doutoramento em História da Arte na Universidade de St. Andrews.

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