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Some Like It Hot

Róisín Tapponi
10 de Julho de 2025

A primeira vez que vi Some Like It Hot era adolescente, estava sozinha e fui a uma sessão matinée no cinema independente da minha zona. Nunca tinha visto Marilyn Monroe no ecrã, e estava apenas a começar aquilo que viria a tornar-se uma obsessão pelo cinema clássico de Hollywood, que me acompanharia toda a vida. Lembro-me de sair do cinema num estado de choque inesperado, com a certeza de que acabara de ver um filme fenomenal — sem ainda ter o vocabulário necessário para explicar porque é que aquilo me tinha tocado tanto. Se nunca viste Some Like It Hot, então estás prestes a ter uma surpresa maravilhosa. Mas é mais provável que já o tenhas visto, talvez até várias vezes, e que tenhas voltado a ele com a confiança de que será tão bom como da primeira vez. Ou, como acontece com tudo o que é realmente bom, ainda melhora com o tempo…

Some Like It Hot conta a história de dois músicos que fogem da máfia, disfarçam-se de mulheres e juntam-se a uma banda exclusivamente feminina. Não foi a violência explícita do enredo de gangsters — veja-se os vários tiroteios ao longo do filme — que gerou polémica. Embora atualmente o filme tenha uma classificação para todos os públicos (U-rated), foi proibido, aquando da sua estreia, em alguns estados dos EUA, devido à presença de personagens em travesti. Rompeu também, de forma ousada, com as restrições sexuais conservadoras impostas pelo Código Hays. De forma quase milagrosa, tratando-se de uma comédia de Hollywood dos anos 50, o filme é hoje considerado um clássico queer, com uma abordagem notavelmente arrojada e, de forma geral, pouco problemática no que diz respeito ao género e à sexualidade. Há drag, alusões a perversões sexuais e um ambiente marcadamente queer, tudo enquadrado num enredo dominado por uma máfia masculina. Esta fórmula inovadora viria a servir de base para comédias contemporâneas que subvertem géneros cinematográficos hipermasculinos — como, por exemplo, White Chicks (2004), onde dois agentes do FBI negros se disfarçam de mulheres brancas.

O que mais se destaca é que Some Like It Hot ficou para a história pelas suas interpretações cómicas absolutamente brilhantes, com a dupla de elenco perfeita: Jack Lemmon (Jerry/Daphne) e Tony Curtis (Joe/Josephine/Shell Oil Junior). Jerry e Joe são forçados a assumir papéis femininos e, com isso, acabam por descobrir os papéis de género que são impostos às mulheres. Conhecem Marilyn Monroe (Sugar Kane), vocalista principal da banda exclusivamente feminina Sweet Sue and her Society Syncopators. Some Like It Hot é, para mim, a melhor interpretação de Monroe, porque nela revela um magnetismo que transcende o tempo — algo verdadeiramente único. A sua representação não é extraordinária, e é tão atraente quanto qualquer uma das outras raparigas da banda. Mas há nela qualquer coisa de inefável, de cativante e efervescente, que atravessa o ecrã com um encanto irresistível — mesmo passadas décadas. E depois há, claro, aquele vestido que — com toda a justiça — venceu um Óscar da Academia.

Como seria de esperar de uma produção de Billy Wilder, o enredo e o guião de Some Like It Hot são coesos e inatacáveis, com aquele que é, talvez, o melhor diálogo final da história do cinema (co-escrito por Wilder e o seu colaborador habitual, I. A. L. Diamond). A câmara, dirigida pelo diretor de fotografia Chris Lang, acrescenta também um valor cómico ao filme. Por exemplo, o balanço etílico da câmara, na perspetiva de um barco a oscilar, enquanto vemos Joe E. Brown (Osgood Fielding III) a caminhar cambaleante pelo passadiço… Ou o uso hábil dos cortes paralelos, entre duas cenas de sedução: uma sessão de beijos num iate e uma cena de tango no hotel. A propósito disso: a lendária drag queen Barbette foi contratada pelo estúdio para ensinar Lemmon e Curtis a dançar, correr e representar a feminilidade. A pura energia e comicidade das interpretações, da escrita e do trabalho de câmara tornam esta produção tão vibrante que — como espectadora contemporânea — esqueço-me sempre de que o filme foi rodado totalmente a preto-e-branco. Na minha memória, Some Like It Hot vive em cores iridescentes.

Róisín Tapponi
Róisín Tapponi (n. 1999, Dublin) é uma escritora e programadora de cinema que vive em Londres. É fundadora da Shasha Movies, plataforma independente de streaming de filmes e vídeos de artistas do Sudoeste Asiático e do Norte de África. Já fez curadoria de programas de cinema para The Academy, MoMA, 52 Walker St. David Zwirner, e-flux, Anthology Film Archives, Film Forum, Metrograph, Frieze, Chisenhale Gallery, Art Jameel, entre outros. Concluiu um doutoramento em História da Arte na Universidade de St. Andrews.

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