Após o fracasso de Vampire in Brooklyn (1995), o passo lógico para Wes Craven revitalizar a sua filmografia foi aceitar a proposta de realizar um filme concebido, desde o início, como uma sátira — desenvolvendo aquilo que já tinha começado a explorar em New Nightmare (1994). Scream, com argumento de Kevin Williamson, é uma crítica à indústria do terror de Hollywood que, à data, se mostrava esgotada com as intermináveis sequelas de franchises iniciadas nos anos 80. Dentro das tradições do género, a estagnação evolutiva acontece frequentemente quando tropos, estilos e estéticas são reproduzidos repetidamente. Cada década tende a gerar filmes de terror “meta”, que usam a autorreflexividade para comentar, criticar, brincar e desconstruir os clichés do terror contemporâneo — uma prática recorrente nos estúdios de Hollywood. Embora Craven já tivesse enveredado por esse caminho em New Nightmare, Scream foi um sucesso estrondoso junto do público e nas bilheteiras. Enquanto comentário sobre a cultura da violência no cinema, vai além do simples catálogo de tropos, propondo uma interrogação conceptual sobre o próprio cinema — e a violência nele representada.
A minha memória pode falhar-me, mas recordo-me de ter visto Scream pela primeira vez num programa de televisão indonésio em horário nobre, por volta das 20:00, chamado Layar Emas Barat (literalmente, “Ecrã Dourado — Ocidente”), algures entre 1999 e 2000 — cerca de quatro a cinco anos após a estreia do filme nos Estados Unidos. Na altura, a situação política na Indonésia atravessava um período conturbado após a queda de Suharto. As normas de transmissão estavam a ser amplamente liberalizadas — tanto no que dizia respeito ao que era considerado apropriado para exibição como ao que deixava de o ser —, e os filmes de ação e de terror americanos dos anos 90 tornaram-se presença habitual na televisão, numa tentativa dos canais de captar o público local e acompanhar o crescente interesse pelo cinema. Scream chegou, de facto, a estrear nas salas de cinema indonésias e teve exibições regulares, mas a afluência na época foi fraca devido à Crise Financeira Asiática do final da década de 1990. Embora gostasse de cinema de terror e de género desde os seis anos, quando vi Scream pela primeira vez não compreendi muitas das suas referências a pormenores do terror americano — ainda não estava familiarizado com esse universo. (Não percebi, por exemplo, que o assassinato da atriz principal logo no início era uma homenagem a Psycho, de 1960.) Ainda assim, percebia que aquele filme era “meta” — e nitidamente diferente dos slashers que tinha visto até então, como o Halloween (1978) (outro filme amplamente referenciado e parodiado por Scream).
Enquanto obra de meta-horror, Scream revitalizou a tradição do slasher americano, que tinha perdido fôlego ao longo dos anos 90. Esta nova vaga era mais consciente das convenções do género do que os slashers da década anterior, e Kevin Williamson teve um papel central na sua consolidação; após Scream, escreveu I Know What You Did Last Summer (1997), que, embora não tão “meta” ou referencial, manteve uma certa autoconsciência face às fórmulas do slasher. Em Scream, a fórmula é reconfigurada ao apresentar um assassino deliberadamente desajeitado, quase paródico — em contraste com os assassinos praticamente indestrutíveis e semi-sobrenaturais dos slashers americanos dos anos 80. Alinhado com esta “segunda vaga” de slasher films a meio da década de 1990, o filme dá também destaque a uma estrutura narrativa clássica de mistério — conhecida como whodunit (“quem foi o culpado?”) — que convida o espectador a tentar descobrir a identidade do assassino ao longo da história. A sátira à cultura mediática da época — canalizada através da jornalista sensacionalista Gale Weathers (interpretada por Courteney Cox, no auge da sua fama em Friends) — reforça a crítica à obsessão da cultura popular americana com programas de televisão e documentários sobre assassinatos reais (true crime). Kevin Williamson inspirou-se, aliás, num desses programas, centrado no assassino em série Danny Rolling, para escrever o argumento de Scream. Uma cultura de consumo audiovisual saturada de sensacionalismo — espelhada na fascinação por assassinos em série, crimes mediáticos e mortes filmadas (ver também Killing for Culture, de David Kerekes) — torna-se o principal alvo da crítica do filme. Essa crítica é sintetizada e vocalizada pela protagonista, Sidney Prescott (Neve Campbell), que é assombrada não só pelo assassinato brutal da mãe, mas também pela perseguição constante dos media tabloides, ansiosos por lucrar com o caso — tudo isto enquanto tenta sobreviver aos sucessivos ataques de Ghostface. Quase todas as transmissões televisivas em Scream incluem reportagens sobre os homicídios em Woodsboro, contribuindo para a sensação de que todo o ecossistema mediático do filme gira em torno da violência.
Embora Scream marque de forma clara uma era em que as imagens de violência eram reproduzidas incessantemente na televisão e no cinema, o filme não é especialmente crítico da tecnologia em si. A tecnologia funciona sobretudo como um meio para induzir o medo: o telefone usado por Ghostface para aterrorizar as vítimas, e o telemóvel como dispositivo narrativo. Este uso contrasta com o que encontramos em filmes de terror não hollywoodianos da mesma época — sobretudo em títulos japoneses como o telefilme original Ringu (1995), a longa-metragem Ringu (1998) e o horror digital Pulse (2001). Nestes filmes, a própria tecnologia é a origem do terror: uma “caixa negra” não totalmente compreendida pelos seus utilizadores, que gera um tipo de horror resistente a interpretações fáceis. Há, nestes terrores japoneses, uma corrente subterrânea de tecnofobia — mesmo quando os filmes se revelam também autoconscientes e referenciam tradições folclóricas. O comentário de Scream sobre a violência nos media é mais direto do que o dos seus contemporâneos asiáticos: enquanto o terror tecnofóbico japonês parece seguir o princípio de que “o meio é a mensagem”, Scream foca-se antes no conteúdo que os media disseminam — e é aí que coloca a sua crítica. Scream parece questionar a relação entre a violência nos media e a violência no mundo real: será que os conteúdos violentos tornam as pessoas mais propensas à agressividade, ou apenas oferecem novas ideias e meios àqueles que já têm tendência para a violência? O filme não oferece uma resposta definitiva, mas funciona como ponto de partida para uma reflexão contínua — sobretudo agora, quase 30 anos após a sua estreia, num momento em que a violência do mundo real se tornou cada vez mais visível para nós, incessantemente mediada pelos nossos ecrãs.
Riar Rizaldi
Riar Rizaldi trabalha como artista e cineasta. As suas obras foram exibidas em vários festivais internacionais de cinema (incluindo Berlinale, Locarno, Roterdão, FID Marseille, BFI London, Cinéma du Réel, etc.), bem como no Museum of Modern Art (2024), na Whitney Biennial (2024), na Bienal de Taipé (2023), na Bienal de Istambul (2023), na Bienal de Arquitetura de Veneza (2021), na National Gallery of Indonesia (2019) e noutros locais e instituições. Recentemente, apresentou exposições individuais e programas temáticos em: Gasworks, Londres (2024), ICA Londres (2024), Z33, Hasselt (2024), Centre de la Photographie Genève (2023), entre outros.
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