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Princesse Tam-Tam

Ece Canlı
23 de Março de 2025

Ver Princesse Tam-Tam é uma experiência de profunda ambivalência, que evoca tanto o desconforto como o fascínio, oscilando entre o inquietante e o encantador. Encantador na generosa apresentação da ultratalentosa Josephine Baker, uma das primeiras atrizes negras a conseguir um papel de destaque no grande ecrã — um feito ainda mais significativo tendo em conta a época e o contexto de racismo enraizado nos Estados Unidos, do qual a atriz fugiu para encontrar maior reconhecimento em Paris. É um prazer absoluto testemunhar a sedutora, vibrante e exuberante Josephine Baker enquanto atua, canta e dança ao longo do filme, encarnando o papel de Alwina, uma ingénua, mas perspicaz, beduína. Inquietante porque, embora o filme ofereça um retrato com uma forte carga racial e uma sátira mordaz do elitismo enraizado, do racismo e da ostentação de uma sociedade parisiense decadente, permanece impregnado de um olhar colonial, carregado de pressupostos imperialistas profundamente vulgares. Chamemos-lhe uma “contradição performativa”, uma “crítica armadilhada” ou uma tentativa de abordar aquilo a que Homi Bhabha chama de “mimetismo colonial”; o filme acaba por encarnar e reforçar as mesmas coisas que critica — se é que alguma vez o pretendeu fazer.

 

A história segue Max de Mirecourt (Albert Préjean), um romancista francês que luta contra o bloqueio criativo e é desprezado pela sua esposa aristocrata, que valoriza o estatuto social e a ostentação. Em busca de refúgio e inspiração para escrever o seu próximo best-seller e impressionar a mulher, Max viaja para a Tunísia com o seu empresário Coton (Robert Arnoux), onde conhece Alwina, uma rapariga endiabrada, de espírito livre, e que vive rodeada de crianças de rua. Fascinado pelo seu charme “natural”, decide transformá-la numa sofisticada dama parisiense, usando-a como modelo e musa do seu novo romance. Quando vê nos jornais que a sua esposa se tornou próxima de um marajá na sua ausência, Max decide terminar o romance num só dia. Nessa história, Max leva Alwina para Paris, apresentando-a à alta sociedade como uma princesa exótica de um país fictício. Apesar do desdém da esposa de Max, Alwina cativa o público com a sua energia e charme, especialmente durante uma deslumbrante atuação de dança num espetáculo extravagante, que realça a sua diferença em relação à contida aristocracia europeia. No entanto, apesar do seu sucesso temporário em Paris e do seu amor por Max, Alwina é informada — tanto pelo marajá como pela testemunha do reencontro apaixonado de Max com a sua mulher — que não pertence verdadeiramente àquele mundo. No final, Max reconcilia-se com a esposa e Alwina regressa à Tunísia, recuperando a sua vida passada. O filme termina com ela a dançar alegremente no seu ambiente “natural”, reforçando a narrativa colonial de que os sujeitos não europeus podem entreter ou inspirar, mas que, em última análise, devem permanecer no seu “devido” lugar. Apesar de Alwina nunca ter ido a Paris e de a sua viagem ter sido apenas parte do romance de Max, o filme termina de forma semelhante.

 

Este, entre muitos outros aspetos, é um dos elementos mais problemáticos do filme. Alwina diz a Max que também quer ir para a Europa com ele, mas este, naturalmente, rejeita o seu pedido, assegurando-lhe que cada um pertence ao lugar onde está — uma postura irónica para um colonialista que viaja livremente por terras exóticas. No final, vemos Alwina na mansão que Max lhe ofereceu, depois de ter tido um filho com Dar, o mordomo que anteriormente lhe tentou bater (interpretado por mais um ator francês com a cara pintada de preto, tal como o marajá). Este fatalismo é exacerbado quando vemos Alwina transformar o salão principal da mansão numa quinta de animais: patos a desfrutar da fonte, galinhas a passear-se e um burro a comer o livro que Max finalmente publicou, Civilisation. Esta sátira pode reconfortar o público ao dar-lhe a satisfação de saber que o seu mundo dito “civilizado” pode ser devorado e desaparecer sem mais nem menos — reduzido a uma ficção sem valor em comparação com a vida em “liberdade” e na “natureza”. No entanto, esta liberdade “animalesca” de Alwina e Dar depende também da permissão e da benevolência dos seus amos brancos. Quando Max autografa os seus novos best-sellers, deseja ironicamente que Alwina lá estivesse, mas depois rejeita a ideia dizendo: “Alwina está melhor onde está.” Este facto é ainda mais acentuado por uma cena anterior, em que o marajá mostra a Alwina as suas duas janelas: uma virada para oeste, que mostra Max e a mulher na sua vida privada, e outra virada para leste, que mostra Dar — rigorosamente separada do Ocidente. Este forte contraste binário continua a ser o leitmotiv do filme.

 

Compreendo porque é que muitos celebram este filme como não racista, especialmente devido ao seu generoso acolhimento da lendária Josephine Baker. No entanto, fá-lo dentro de um quadro que objetifica e restringe a capacidade de ação da sua personagem — como se o realizador dissesse a Baker: “Mostra todos os teus talentos de uma só vez”, oferecendo ainda assim um exemplo perturbador da forma como nos seus primórdios o cinema projetava fantasias em mulheres racializadas. Em última análise, Princesse Tam-Tam é a história de um casal que usa “outros exóticos” (o marajá e Alwina) para provocar o ciúme um do outro. Por isso, a pergunta “O que devemos fazer com este filme no século XXI?” mantém-se. Mas talvez também valha a pena aproveitar a viagem e apreciar o esplendor de Josephine Baker.

Ece Canlı
Ece Canlı é uma investigadora, artista e música cujo trabalho cruza regimes materiais, políticas do corpo e performatividade. É doutorada em Design pela Universidade do Porto e é atualmente investigadora no CECS da Universidade do Minho, onde investiga as condições espaciais, materiais e tecnológicas do sistema de justiça criminal, o encarceramento queer, o design penal e o feminismo da abolição. Como artista, emprega técnicas vocais estendidas e eletrónica para criar som para performances encenadas, exposições e filmes, tanto em colaboração como a solo.

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