Leila and The Wolves é um filme experimental e feminista que explora os papeis negligenciados das mulheres libanesas e palestinianas nos movimentos de resistência, recorrendo a uma narrativa não linear para recuperar as suas vozes de um apagamento histórico e patriarcal. A realizadora Heiny Srour não perde tempo a contestar geopolíticas ou a suavizar a sua linguagem. Ainda que oscilando entre simbolismo e realismo, o seu filme não deixa qualquer ambiguidade relativamente aos seus valores políticos. As personagens femininas estão focadas na ameaça imediata da guerra, lutando pela libertação através dos seus atos radicais de domesticidade.
A narrativa estende-se ao longo de diferentes períodos da história, incluindo o movimento de resistência da Palestina, e sublinha como as mulheres têm sido fundamentais na luta para a libertação colonial. Globalmente, as contribuições das mulheres para os movimentos anticoloniais são muitas vezes relegadas para segundo plano, o que Srour desafia através de recriações ficcionadas de cenas de resistência popular. Estes esforços envolvem a subversão de papeis de género tradicionais como parte das suas práticas militantes. Num exemplo impressionante — também retratado no filme The Battle of Algiers (1966), de Gillo Pontecorvo — as mulheres escondem armas debaixo dos seus abayas. No filme, o retrato da resistência feminina é nitidamente coletivo e orientado para a comunidade, atravessando paisagens reais e imaginadas do Líbano, Palestina, e das diásporas desde o início dos anos 60 até aos anos 80 do século XX.
Leila and The Wolves critica não apenas as estruturas de poder colonial, mas também as narrativas do patriarcado dentro dos movimentos nacionalistas. O retrato da resistência feminina que Srour traça vai além dos atos físicos de desafio, e inclui o trabalho afetivo e os laços comunitários forjados em espaços domésticos, exibindo o potencial radical do que podem parecer atividades quotidianas dentro dos limites da sala de estar e da cozinha. Além disso, o filme também dialoga com o conceito de identidade diaspórica, no sentido em que atravessa várias paisagens geográficas e temporais. O retrato de Srour das mulheres libanesas e palestinianas não se restringe a um lugar, mas enfatiza a fluidez da identidade no contexto do deslocamento e da diáspora, que ecoa através de fronteiras e de gerações.
Leila vê o seu rosto jovem num espelho e pergunta-se: “Será que esta guerra vai acabar?”
Procura uma resposta, que a olha fixamente no espelho.
O filme formaliza a memória coletiva crescente da história feminista através de sequências de sonhos, inflexões de tom documental e reconstruções de arquivo. As fontes vão desde filmes de Mai Masri até material do Museu Imperial da Guerra de Londres. As informações sobre o flagelo das mulheres na Palestina do início do século XX vieram dos escritos de Khadijah Abu Ali. O falso casamento palestiniano no filme baseou-se em informações de Samir Nimr, uma iraquiana que trabalhou na Palestine Film Unit da Organização para a Libertação da Palestina (OLP). As histórias libanesas vieram de cartas de leitoras do jornal diário L’Orient-Le Jour, durante a Guerra Civil no Líbano (1975–1990). As escritoras Raja Nehme e Mai Ghoussoub adiantaram mais informação, a última perdeu um olho na guerra civil.
A produção do filme, rodado sob a ameaça iminente da guerra civil acima mencionada, foi tão política quanto o seu imaginário. O risco de filmar à noite em Beirute deixou Charlet Recors, o operador de câmara, quase à mercê de balas perdidas. Srour teve mesmo que pagar a franco-atiradores para garantir a segurança durante as filmagens da cena final nas ruínas de um mercado em Beirute. Filmar na Síria foi essencial para a parte palestiniana, no sentido em que a Palestina fazia parte da Síria antes do Acordo de Sykes-Picot de 1916, que dividiu a região sob mandatos europeus. As várias peripécias sobre a produção de Leila and the Wolves contribuem para uma cultura mais vasta de narração de histórias, que em si sustenta a história da resistência de um povo.
Róisín Tapponi
Róisín Tapponi (n. 1999, Dublin) é uma escritora e programadora de cinema que vive em Londres. É fundadora da Shasha Movies, plataforma independente de streaming de filmes e vídeos de artistas do Sudoeste Asiático e do Norte de África. Já fez curadoria de programas de cinema para The Academy, MoMA, 52 Walker St. David Zwirner, e-flux, Anthology Film Archives, Film Forum, Metrograph, Frieze, Chisenhale Gallery, Art Jameel, entre outros. Concluiu um doutoramento em História da Arte na Universidade de St. Andrews.
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