Gabino, que agora quer ser conhecido como Lázaro, é um ator que nunca atuou. Com um misto de arrogância e apatia, persegue um realizador na esperança de conseguir um papel no seu novo filme. O realizador, igualmente apático, limita o seu processo de casting a um encontro pessoal num café, onde pede aos atores para beberem um copo de água enquanto os observa — sobre o papel ou o conteúdo do filme não sabemos nada. Apesar de não ter currículo, Lázaro pergunta-lhe sobre a possibilidade de ser pago pelo casting. O realizador, claramente contrariado, responde nunca ter pensado nisso.
Sem saber, Lázaro está numa relação aberta. A sua parceira de longa data, Luisa, tem-se encontrado com um conhecido de ambos, Barreiro, embora ela própria afirme não estar numa relação com ele. A revelação não parece incomodar Lázaro — a sua atenção está focada apenas em conseguir aquele papel. Na verdade, o que mais perturba Lázaro é que Luisa e Barreiro também estejam no casting para o filme. Quanto a Luisa, a sua paixão pelos dois homens parece, surpreendentemente, desapaixonada.
Gabino/Lázaro, Luisa, Barreiro — todas personagens recorrentes na filmografia de Nicolás Pereda, há mais de uma década. O seu regresso não é, no entanto, uma questão de sequelas ou prequelas, mas de posicionar uma lente prismática sobre as personagens — se é que chegam a ser personagens, tão ténue é a sua profundidade. Nesse sentido, Pereda assume uma herança absurda e existencialista, que lembra Beckett. O que está em causa é o potencial das personagens: como reagem quando colocadas em determinadas circunstâncias, ou como as suas dinâmicas interpessoais mudam consoante as intenções de Pereda. Por outras palavras, o objetivo não é a procura de uma lógica linear ou consequencial; assim, os seus filmes diferem tanto dos blockbusters de Hollywood como de experiências de longa duração, como os filmes com Antoine Doinel, de François Truffaut, ou Boyhood e a trilogia Before Sunrise, de Richard Linklater.
Enquanto realizadora, o filme fez-me lembrar os meus próprios processos de casting. Tenho pouca paciência para castings tradicionais, preferindo simplesmente conhecer as pessoas e testar as suas energias em relação a mim e ao papel. É-me mais importante ver a interpretação que os atores fazem do guião e das personagens do que ouvir as suas entoações, cadências, expressão corporal ou a leitura do texto no momento — embora já tenha escolhido atores apenas pela profundidade da sua voz. Também tenho alguma experiência com personagens recorrentes nas minhas narrativas, e é sempre frustrante gostar de um ator com quem já trabalhei, ou querer retomar uma personagem, e não poder voltar a convidá-lo porque o maldito projeto não é o adequado. Falando nisso, há algo de especial em ver o ator envelhecer e amadurecer, apreciando como tal transforma o que podemos inventar em conjunto, enquanto cineasta e ator. A este respeito, Hollywood, em particular, tem-se mostrado, curiosa e financeiramente, obcecada com o envelhecimento dos elencos, como exemplificado nos intermináveis reencontros e reinterpretações de filmes e séries clássicas — para o ano é Buffy the Vampire Slayer —, usando-os não como alavanca para novas invenções, mas para repetir o passado, isto é, o que outrora foi jovem e fresco.
Com Pereda, no entanto, e embora o tom dos seus filmes se mantenha semelhante ao longo da sua carreira, o retorno às mesmas personagens e lugares é uma oportunidade para experimentar algo novo — por exemplo, empatizar, mais ou menos, com Lázaro ou tornar Luisa cada vez mais aborrecida.
Um grande tema em Lázaro de noche é a omissão e o subterfúgio: como as personagens omitem dizer aquilo que sabem umas às outras, apesar de todas saberem que as outras o sabem. Julia quer contar a Lázaro sobre a sua relação com Barreiro, mas não quer que Barreiro e Lázaro contem um ao outro que ambos sabem do caso. O realizador julga a representação destas pessoas pelo banal ato de beber um copo de água, mas nunca lhes diz de que trata o filme. O resultado é um tédio generalizado — do qual decorre uma espécie de atitude “fake it till you make it”, evidente na nova identidade de Gabino como Lázaro e na sua ilusão de que pode ser ator sem papéis.
Não admira, portanto, que o filme se abra a uma analogia com a história de Aladino e a lâmpada. O desejo não nos leva muito longe quando o engano e a indolência são o nosso chão. As circunstâncias podem fazer-nos desejar uma satisfação imediata, mas o imediatismo só serve para nos pôr a andar — e manter aprisionados — em ciclos obtusos. Melhor romper com os ciclos viciosos e estimar o desejo por um futuro diferente.
Isadora Neves Marques
Isadora Neves Marques é realizadora de cinema, artista visual e escritora. Os seus filmes estrearam em festivais como Cannes (Semana da Crítica), Toronto e Roterdão. Em 2022, foi distinguida com o Ammodo Tiger Short Award. No mesmo ano, foi a Representação Oficial Portuguesa na 59.ª Bienal de Veneza e recebeu, entre outros prémios, o Special Prize do Pinchuk Future Generation Art Prize. É cofundadora da produtora de cinema Foi Bonita a Festa e da editora de poesia Livros do Pântano. Contribui regularmente para o e-flux Journal e é autora dos livros de poesia A Campa de Marx (2025) e Sex as Care and Other Viral Poems (2020), da coletânea de contos Morrer na América (2017) e de várias antologias de pensamento. É doutoranda na Ruskin School of Art, Universidade de Oxford.
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