Knit's Island

Riar Rizaldi
3 de Dezembro de 2025

A premissa é simples: um grupo de cineastas atua como um grupo de etnógrafos digitais, realizando uma observação participante dentro do videojogo de sobrevivência DayZ — uma modificação do first-person shooter Arma 2 —, entrevistando jogadores e explorando as suas relações tanto com o jogo, como com o mundo real. O resultado melancólico é uma espécie de machinima contemplativa que reflete a frágil fronteira entre a “vida real” e o mundo virtual.

Tal abordagem só é possível no contexto dos jogos enquanto espaços de convívio social (ou talvez de exclusão social?) nas plataformas da Web 2.0, onde as narrativas rígidas e os mundos fechados dos jogos para um só jogador são substituídos por vastas sandboxes multijogador com cartografias de grande amplitude. Num dos segmentos de Knit’s Island, os cineastas convidam os jogadores de DayZ a explorar a possibilidade de “ver” o que existe para além dos limites de Chernarus — o país fictício do jogo, inspirado na região da Boémia setentrional, na atual Chéquia. Numa espécie de peregrinação digital, raramente conseguem alcançar a “borda” do mapa do jogo — tal como outros jogadores, noutros universos virtuais, perseguem missões semelhantes: procurar o erro das Far Lands em Minecraft ou atravessar o limite absoluto do mapa em Grand Theft Auto V. O que os cineastas encontram, em vez disso, são conversas com e entre jogadores sobre as suas existências dentro e fora do jogo, bem como tentativas de questionar a ontologia da “vida real” — uma reflexão que surge após centenas de horas passadas a jogar e a sobreviver em DayZ.

Espelhando uma forma de jogabilidade emergente que está em constante transformação, dependendo da relação entre o jogador e o mundo, Knit’s Island procura representar uma performance de duração prolongada, na qual os cineastas se esforçam por construir relações num ambiente virtual — algo evidente na forma como essas relações evoluem da desconfiança para a familiaridade ao longo das mais de 600 horas de jogo. Não sendo — nem procurando ser — tão rigorosos quanto os trabalhos de antropologia digital ou etnografia dos videojogos encontrados em estudos como o de Bonnie Nardi sobre World of Warcraft, em My Life as a Night Elf Priest (2010), ou a etnografia do antropólogo Tom Boellstorff sobre Second Life, em Coming of Age in Second Life (2015), os cineastas assumem, aqui, o papel de força motriz da narrativa do filme. Trata-se de um tipo de documentário que utiliza os seus próprios métodos para construir uma ficção; o tom que emerge em Knit’s Island assemelha-se a uma forma de etnoficção digital e de shared anthropology de sobrevivência, executada por uma espécie de “Jean Rouch cibernético”.

Em paralelo com o seu contemporâneo documentário de machinima, Grand Theft Hamlet (2024), Knit’s Island é também uma obra nascida durante a pandemia: o isolamento provocado pela covid-19 dá origem a uma ponte contemplativa entre o jogo e a vida real, já que, dentro do jogo — e talvez também fora dele —, os próprios jogadores se encontram em modo de sobrevivência pós-apocalíptico. Aqui, o espaço do jogo e as suas mecânicas tornam-se elementos cruciais, sobretudo em relação à experiência espacial. Em Grand Theft Auto, o mapa e a arquitetura são altamente maximalistas; a interação sonora entre um jogador e outro ocorre de forma geral, sem um ponto específico de escuta. Isto contrasta fortemente com DayZ, onde os jogadores podem falar diretamente de avatar para avatar através de som direcional e espacializado. Esse efeito faz com que o universo do jogo pareça muito mais imersivo. É precisamente a espacialidade deste mundo projetado no ecrã que faz com que Knit’s Island se assemelhe, para mim, à experiência de ver um documentário de natureza.

Riar Rizaldi
Riar Rizaldi trabalha como artista e cineasta. As suas obras foram exibidas em vários festivais internacionais de cinema (incluindo Berlinale, Locarno, Roterdão, FID Marseille, BFI London, Cinéma du Réel, etc.), bem como no Museum of Modern Art (2024), na Whitney Biennial (2024), na Bienal de Taipé (2023), na Bienal de Istambul (2023), na Bienal de Arquitetura de Veneza (2021), na National Gallery of Indonesia (2019) e noutros locais e instituições. Recentemente, apresentou exposições individuais e programas temáticos em: Gasworks, Londres (2024), ICA Londres (2024), Z33, Hasselt (2024), Centre de la Photographie Genève (2023), entre outros.

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