Quando Pedro Almodóvar tinha apenas oito anos, foi mandado pelos pais para um colégio interno católico, na esperança de que um dia entrasse para o clero. Embora Almodóvar nunca se tenha tornado padre, realizou um filme sobre freiras lésbicas e heroinómanas que dão guarida a uma cantora de cabaré em fuga. Trata-se de Entre tinieblas (Negros Hábitos), a terceira longa-metragem do realizador espanhol, com uma banda sonora constituída por música popular e um elenco quase exclusivamente feminino — duas componentes que evoluiriam para se tornar elementos definidores do seu trabalho posterior e características emblemáticas do seu estilo melodramático, irreverente e vibrante.
Passado quase inteiramente num convento feminino, Entre tinieblas viu-se envolvido em controvérsia pelo retrato supostamente sacrílego que apresenta do catolicismo. O filme foi rejeitado pelo Festival de Cinema de Cannes por puritanos moralistas — ou programadores de cinema —, sendo depois aceite pelo Festival de Cinema de Veneza. Evidentemente, os italianos tinham aprendido a lição com Pier Paolo Pasolini. Tendo uma educação católica, eu diria que, longe de blasfemo, o filme consiste num estudo conciso e divertido da relação entre santos e pecadores, e como as mulheres deveriam poder ser ambas as coisas. Figuras marginais femininas encontram santuário junto das freiras, que as acolhem com a bondade, compaixão e compreensão que falta à sociedade.
Como alega a madre superiora, Cristo não morreu pelos santos, mas sim pelos pecadores. Estas freiras são as groupies das mulheres perdidas de Madrid. Oferecem amor a todas aquelas que procuram refúgio, enquanto outros as maltratam e insultam. Muitas das religiosas tiveram as suas próprias experiências no pecado e algumas delas ainda praticam esses negros hábitos. No entanto, todas protegem as suas irmãs da nova Madre Superior e vivem em comunidade sem qualquer tipo de juízo de valor. Se se trata de convicções sinceras ou causadas por trips psicadélicas é irrelevante: estamos perante um grupo de mulheres libertinas que, apesar de todos os seus defeitos, partilham um forte sentido de comunidade e a fé na sua salvação.
Visualmente, o filme é um reflexo perfeito dos anos 1980: luzes de néon berrantes, sombras de olhos violeta carregado, casacos de couro, cabelos ripados, cigarros fumados em interiores e bolo de cerejas e baunilha. Vemos tanta teatralidade na igreja como num clube noturno, incutindo ao filme uma estética de alta voltagem, em que quaisquer momentos de vulnerabilidade são filmados em picado. As imagens são persistentemente fortes e incisivas, muito como as personalidades das freiras. Sentem as emoções intensamente e expressam-nas de um modo impulsivo, sem a reserva que esperam as mulheres que vivem sujeitas às expectativas masculinas. O resultado é um melodrama — uma novela religiosa e feminista — em que as freiras dão umas às outras a liberdade de serem fiéis a si próprias.
Entre tinieblas faz parte de um nicho, mas brilhante cânone de filmes independentes que se centram nas vidas misteriosas das freiras, desde Les anges du péché (1943) de Robert Bresson e Black Narcissus (1947), de Michael Powell e Emeric Pressburger, até Viridiana (1961) de Luis Buñuel. Aqui se incluem muitos filmes sobre freiras que não chegaram a ser realizados, como um projeto de Hal Hartley sobre revolucionárias políticas radicais que se tornam freiras e fundam uma microcervejeira em Brooklyn — que acabou por ser publicado como livro com o título Our Lady of the Highway. Entre tinieblas é uma referência para este nicho do cinema, mas também para a história da arte. Há uma cena memorável de uma das freiras a segurar um retrato do rosto do seu amado, que remete para o Sudário de Turim e se parece muito com as serigrafias de rostos maquilhados de artistas como Sin Wai Kin ou Mira Schor.
Abraçando a espiritualidade através de escapismo, surrealismo e prazer, Entre tinieblas foca o desafio de procurar a redenção num mundo moderno e hedonista. É um retrato da liberdade vivida por um grupo de mulheres enclausuradas. Ou, como reza a expressão: freiras onde não são precisas.
Róisín Tapponi
Róisín Tapponi (n. 1999, Dublin) é uma escritora e programadora de cinema que vive em Londres. É fundadora da Shasha Movies, plataforma independente de streaming de filmes e vídeos de artistas do Sudoeste Asiático e do Norte de África. Já fez curadoria de programas de cinema para The Academy, MoMA, 52 Walker St. David Zwirner, e-flux, Anthology Film Archives, Film Forum, Metrograph, Frieze, Chisenhale Gallery, Art Jameel, entre outros. Concluiu um doutoramento em História da Arte na Universidade de St. Andrews.
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