El Futuro Ya No Está Aquí: Da euforia à desilusão na Movida e Transição Espanhola (1975–1986)
Guilherme Blanc e Virginia Pablos
6 de Maio de 2023

El Futuro Ya No Está Aquí propõe aos espectadores perspectivas sobre o trajecto de Espanha em direcção à libertação e à transição para a democracia, e também sobre a Movida e suas manifestações.

O título deste programa faz referência ao ano de 1981, quando a banda espanhola Radio Futura anunciava popularmente no seu êxito “Enamorado de la moda juvenil” que “el futuro ya está aquí”. O futuro a que esta canção se referia capturava a sensação de liberdade que a sociedade espanhola estava a começar a experimentar a partir do momento em que o fascismo caiu.

Espanha vivia um tempo de esperança e libertação, um período acelerado em que o país lutou por recuperar o atraso em relação a vários países europeus. Como afirma o artista Luis López Carrasco (presente no programa), “Espanha, depois de séculos de atraso, iria tornar-se um país europeu de um dia para o outro”. A transição da ditadura para a democracia provocou emoções contraditórias de arrependimento, ressentimento, confusão e alívio, bem como novos sentimentos que surgiram da expressão de identidades anteriormente silenciadas.

É dentro deste contexto que devemos situar La Movida, um movimento contra-cultural que ocorreu predominantemente em Madrid no início dos anos 80. Apesar das inúmeras divergências que gera, veio a simbolizar a mudança e a chegada da modernidade à Espanha pós-franquista.

Como coloca Pedro Almodóvar, “É difícil falar da Movida e explicá-la àqueles que não viveram esses anos. Não éramos uma geração; não éramos um movimento artístico; não éramos um grupo com uma ideologia concreta. Éramos simplesmente um monte de pessoas que coincidentemente estavam juntas num dos momentos mais explosivos da história do país.”

Durante a transição espanhola para a democracia, uma ausência de consenso em questões políticas fundamentais causou incerteza, tensão e violência na sociedade. A persistência de líderes franquistas em posições de poder aumentou a desilusão entre espanhóis, que sentiram que a oportunidade para uma verdadeira quebra com o franquismo repressivo tinha sido perdida. O termo “desencanto” surgiu para descrever este sentimento de descontentamento e desconfiança em relação às instituições políticas e partidos.

Este programa de filmes também analisa de que forma o legado do regime de Franco continua a afectar a sociedade espanhola hoje e como el desencanto que dominava a sociedade espanhola durante este regime não desapareceu com o advento da democracia. Ficou célebre

a irónica declaração de Vásquez Montalban, “Contra Franco se vivia mejor”.

Durante maio e através de oito longas-metragens, o seu objectivo é apresentar uma visão integrada de expressões artísticas e éticas que definiram tendências e movimentos até hoje. O programa inclui obras heterogéneas em termos de temas e formas fílmicas partilhando, contudo, uma certa força que os traz a um lugar comum de cinema: radical, transgressivo e opositor.

O programa exibe exemplos significativos de autores Quinqui, como Eloy de la Iglesia e Carlos Saura. O cinema Quinqui é um sub-género do cinema espanhol que surgiu no final dos anos 70 e no início dos anos 80, que capta a realidade crua e sem filtro dos chamados “quinquis”: jovens delinquentes de bairros marginalizados envolvidos em delitos menores, consumo de drogas, e outras formas de desvio social. Os filmes Quinqui apresentam actores amadores, em luta para vingar numa sociedade em rápida evolução, que foram arrancados das ruas e treinados para representar, sendo muitas vezes filmados nos bairros em que viviam. Poucos sobreviveram a este período devido ao consumo de drogas e à criminalidade.

Durante este tempo, apareceram novas expressões de cinema queer e trans anteriormente proibidas. São também exibidas obras seminais no género pioneiro do cinema queer, colocando em foco as vidas da comunidade LGBTQIA+, com o objectivo de espelhar a evolução da representação das identidades sexuais e de género no cinema, e sua influência na cultura e sociedade espanholas.

O programa inclui um dos primeiros exemplos do cinema verité em Espanha, realizado pela primeira cineasta feminista do país, Josefina Molina. O primeiro documentário que dá voz às mulheres desse período, que lutavam por igualdade e um lugar na sociedade. Em continuidade com a ideia da representação da emancipação da mulher, abordaremos a dobragem no cinema em Espanha durante a ditadura, e como ferramenta fundamental de censura e de manipulação pelo regime. A artista Julia de Castro, numa nova performance encomendada pelo Batalha, trabalhará em torno desta ideia a ser revertida em Voces que aparecen, recuperando as vozes silenciadas das artistas no final do período franquista.

O programa também destaca as expressões cinematográficas da Movida, com Almodóvar e Zulueta enquanto expoentes máximos, representando um movimento pós-moderno, vanguardista e punk atento a tendências internacionais na moda, música, e libertação sexual dos jovens. Este é um cinema estético conduzido por ideais culturais que se encontram distantes de discussões políticas e partidárias, liderado por uma geração que não experimentou o período mais adverso da ditadura e que abraça novas preocupações e expressões, incluindo de lazer. Com Madrid como epicentro e um PSOE aberto a uma nova cultura juvenil, aparece a geração que não fala de Franco, explorando diferentes contextos, formulas estéticas, modos de encontro (em clubes punk e de rock como Rock Ola), e experiências com drogas. Arrebato, de Zulueta, amplifica estas ideias, relacionando de forma surreal o consumo de droga ao uso da película numa ficção vampiresca.

O filme El futuro, de Luis López Carrasco, que apresentamos numa versão instalada, é uma chamada para o despertar do sonho simulado e para construir um discurso crítico contra a narrativa celebratória da Transição. Confronta as consequências do vazio que se abriu com a festa dos anos 80.

Apesar de todas as lutas e tensões, a partir do final dos anos 70 tudo era futuro em Espanha. Propondo conversas significativas em torno do poder da produção cultural do período, El Futuro Ya No Está Aquí explora as feridas deste processo, que ainda estão por sarar.


O presente texto está escrito segundo a antiga norma ortográfica.

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