Luas Novas: Diogo Baldaia
Giovanni Marchini Camia
8 de Maio de 2024

A palavra que une todos os protagonistas de Diogo Baldaia é também a que melhor descreve o seu cinema: jovem. A juventude é o seu eterno assunto e, ao explorar os vários desejos e inseguranças, paixões e frustrações que marcam a experiência dos jovens de hoje, foi à procura de formas com igual novidade e vigor.


Os minutos que abrem Miragem Meus Putos (2017) sintetizam a dialética existencial que se encontra no centro dos filmes de Baldaia. Depois de um prelúdio, que consiste em dois planos deslumbrantes em ângulo contrapicado de rapazes deitados num parque infantil a contemplar o céu azul-celeste, o primeiro capítulo começa com a câmara a seguir lentamente pelo corredor de uma escola. Uma empregada de limpeza caminha em frente e um professor corre na direção oposta. Abre uma porta e desaparece lá dentro. A câmara continua em frente enquanto se ouve o professor a gritar com o diretor sobre um corte salarial, práticas administrativas injustas, sobre ter sacrificado a vida pelo sistema corrupto da escola pública. Uma rapariga esgueira-se ao longo da parede do corredor, à espera que a empregada de limpeza vire a esquina. Mais duas crianças emergem por detrás de um armário e o trio foge pela porta no extremo oposto do corredor, mesmo antes do professor furioso sair disparado do escritório do diretor e regressar de onde veio.


Duas imagens de inocência feliz dão lugar a um choque com a realidade com este plano maravilhosamente coreografado, que justapõe o mundo dos adultos e das crianças, contrastando as suas maiores preocupações: o trabalho e a brincadeira. Mesmo quando as personagens de Baldaia crescem—até aqui circunscritas a crianças da escola primária, adolescentes e jovens de vinte e poucos anos—esta divisão permanece. Os “adultos” nos seus filmes, tal como o olheiro de futebol descontraidamente racista no segundo capítulo de Miragem Meus Putos, o diretor excitado em Destiny Deluxe (2019), ou os cientistas que levam a cabo experiências dúbias em Sonido: Ivans & Tobis (2023), são ora vislumbrados por instantes ou escutados apenas enquanto vozes fora de cena. Nas suas raras aparições, lembram os humanos dos desenhos animados de Tom e Jerry, cujas pernas sem corpo funcionam enquanto sinédoque opressiva de poder e dominação.


A única exceção é a avó no alegre e macabro Why Are You Image Plus (2023), a obra mais explicitamente satírica de Baldaia. Aqui, também existe um opressor, nomeadamente o santo que impede o fantasma de uma menina de comunicar com a sua avó ainda viva. A menina é mostrada em imagens semelhantes a filmes caseiros enquanto a sua voz fala do além-túmulo numa narração “cartoonesca”, criada com um conversor de texto para voz. Apesar da sua tenra idade, não tem nenhum pudor em dizer ao santo, um símbolo da Igreja Católica, para se “ir foder”, para que possa reunir-se com a avó. O amor vence, por fim, como normalmente acontece nos filmes de Baldaia: o poder da amizade oferece ao sujeito experimental de Sonido um escape dos seus opressores, enquanto as duas jovens de Destiny Deluxe ultrapassam os seus respetivos sentimentos de alienação, pelo menos durante a duração de uma música e de uma dança, quando os seus caminhos se cruzam numa noite escura e solitária.


O recurso de Baldaia à narração gerada por IA é apenas um dos exemplos mais óbvios da qualidade contemporânea da sua estética, que vai para lá da colocação de marcadores temporais conspícuos dentro da diegese. (Na verdade, os sinais convencionais como smartphones raramente aparecem, e muitas vezes confundem mais do que esclarecem: quando Chloé, a brasileira que luta para ser artista em Destiny Deluxe, parece estar a falar com amigos numa chamada de vídeo, só vemos a cara dela e não conseguimos ouvir os seus interlocutores. Estarão a escrever-lhe? Estará ela a fazer de camgirl?). Ao invés, é a mise-en-scène de Baldaia que parece particularmente moderna. Livre de restrições formais, a edição fluida move-se livremente de uma cena cuidadosamente composta para um plano tremido de câmara na mão, para um momento de CGI (imagens geradas por computador) charmosamente barato. A qualidade da imagem e da palete de cores pode mudar radicalmente de um momento para o outro, tal como as personagens podem subitamente dar por si transportadas para outros lugares, outras dimensões. Quando uma nuvem se materializa numa sala de aula em Miragem Meus Putos, a questão que desperta não é tanto porquê?, mas sim porque não?


Não é que os filmes de Baldaia não tenham influências—a visão desolada de Chloé a comer sozinha num centro comercial evoca Tsai Ming-Liang; o misterioso buraco negro de Sonido parece tomado de empréstimo de Syndromes and a Century, de Apichatpong Weerasethakul; abundam os grandes planos bressonianos de mãos (ainda que, para sermos justos, talvez seja altura de reclamar o monopólio de Bresson sobre esta imagem)—mas foram retrabalhadas dentro de uma estética que escapa à comparação fácil. Ainda terá de fazer a transição para as longas-metragens. Na sua feliz aceitação das possibilidades experimentais que as curtas permitem, sobretudo a liberdade para ignorar as restrições da narrativa, as suas curtas fazem com que seja difícil imaginar que forma tomará uma longa de Baldaia. Aparentemente, uma encontra-se em desenvolvimento. Aqui fica a esperança de que nos mostre como nos mantermos eternamente jovens.

Giovanni Marchini Camia é um escritor, editor e programador de cinema que vive em Berlim. É cofundador da Fireflies Press, uma editora especializada em livros sobre cinema, incluindo Memoria by Apichatpong Weerasethakul, Pier Paolo Pasolini: Writing on Burning Paper, e a série de monografias Decadent Editions. A sua crítica cinematográfica foi publicada na Sight & Sound, Film Comment e Cinema Scope, entre outras, e é membro do comité de seleção de longas-metragens do Festival de Cinema de Locarno.

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