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Ar Condicionado, Fradique
Karina Griffith
20 de Janeiro de 2023

Os Cinemas Futuros de Ar Condicionado


A curadoria de cinema é uma experiência extracorpórea. Vivemos em cinemas futuros, nas mentes e nos corações de espectadores especulativos. Sentimos os seus potenciais traumas e êxtases, saboreamos o seu nojo, ou pior, o seu tédio. Os curadores de cinema são videntes. A programação de cinema, contudo, é menos orientada para o futuro e muito sobre o “agora”. Os êxitos de bilheteira, “os melhores de”, focos regionais são a matéria das programações de cinema. O seu foco naquilo que é hoje desejado faz com que por vezes pareçam retrospetivas, ou pelo menos, familiares. Recentemente vivi um momento maravilhoso no cinema onde um artista transformou uma oportunidade de programação numa oportunidade curatorial. A Arsenal — Institut für Film und Videokunst (Instituto para o Cinema e Videoarte) em Berlim, convidou o realizador Lemohang Jeremiah Mosese a apresentar um programa como parte da sua série Escolha dos Realizadores. A Escolha dos Realizadores pede aos realizadores dos filmes que são distribuídos pela Arsenal para selecionarem outros filmes da sua coleção para uma projeção (a longa-metragem ensaística de Mosese, Mother, I Am Suffocating. This Is My Last Film About You, estreou no Berlinale Forum em 2019 e é distribuída pela Arsenal). Mosese improvisou e juntou um filme que não é distribuído pela Arsenal (Ar Condicionado, 2020) com um que é (Monangambeee, 1969). O resultado foi “O Cinema Resiliente de Angola”, um programa que funcionou a um nível tão visceral que ficou comigo e informou ainda mais as minhas questões sobre as diferenças entre curadoria e programação.

Programar é planear. No seu sentido literal, tem que ver com a ordenação de coisas; uma prática de planificação, esquematização, e de colocação de coisas no lugar. Curadoria vem do Latim cura, cuidado; programma, uma proclamação. O que não quer dizer que não existe cuidado na ordenação da programação de cinema ou que o cuidado é de alguma forma exclusivo da prática de curadoria. Contudo, a etimologia de cada palavra sugere uma abordagem quantitativa versus uma abordagem qualitativa. Peter Bosna distingue curadoria de cinema enquanto um trabalho que reflete sobre uma questão, ao passo que os programadores são “os guardiões da cultura cinematográfica”, que se focam nas coleções: das mais recentes, das mais populares (e os antónimos de ambas em nome do “património”). [1] A crítica de cinema Jennifer Borrmann cita a coleção de musicais da sua mãe, em VHS, como a sua primeira experiência em curadoria de cinema. Cada cassete, organizada por género, período temporal, tema ou interesse pessoal, era como uma miniprogramação de cinema. [2]

A justaposição de Ar Condicionado com a curta-metragem Monangambeee, de Sarah Maldoror, foi produtiva para pensar sobre forma e legado. Maldoror estudou cinema em Paris e foi aprendiz de Gillo Pontecorvo enquanto Pontecorvo realizava La battaglia di Algeri, em 1966. Apresentando os combatentes da libertação angolana como atores, Monangambeee ilustra o terror e a inépcia dos conflitos armados nas colónias. O filme termina com uma montagem de imagens a preto e branco de soldados do exército revolucionário a combater em Angola. Ar Condicionado começa com fotografias a preto e branco, obra do artista Rui Magalhães. Esta transição através dos tratamentos cinematográficos de fotografias no programa “Resiliente” parecia contínua e convidativa. O filme de Fradique, passado na cidade de Luanda enquanto sitiada a partir de cima, também se relaciona com os conflitos armados em Angola. Matacedo (José Kiteculo), um soldado veterano das guerras revolucionárias, é agora um respeitado segurança, faz-tudo, e presidente da câmara não-oficial de um complexo de apartamentos interligados através de um sistema de becos animados. O espaço especulativo de Matacedo e da sua colega Zézinha (Filomena Manuel) centra-se em torno da vizinhança imediata: um apertado e íntimo labirinto onde ecos esculpem o espaço e retratos privados se encontram a cada esquina. A trama de Monangambeee, a curta de Maldoror, está preocupada com a linguagem e a compreensão. Ar Condicionado também fala uma linguagem secreta através da sua assombrosa paisagem sonora. O que experimentamos nestas cenas é o espaço entre o privado e o estar a par; entre ouvir às escondidas e aparecer sem aviso. Sentimos que nenhum sentido é predominante para a compreensão deste mundo do filme.

O cuidado em juntar estes dois filmes resulta de relações íntimas. Mosese conhecia Ar Condicionado de 2017, altura em que ele e Fradique participaram ambos na Residência para Argumentistas do Realness, um programa de incubação para argumentistas africanos, na África do Sul. Fradique escreveu, entretanto, um texto sobre Monangambeee para a Cinelogue, uma plataforma de streaming e arquivo com curadoria. Insiste que é a primeira curta-metragem de Angola (a Argélia substitui Angola pois as filmagens ocorreram durante o conflito). Como menciona Fradique no contexto histórico do seu artigo, a Conferência de Berlim em 1884 foi um momento definitivo no desmembramento de África para exploração europeia; a ocupação portuguesa de Angola não foi exceção. Assistir ao programa “Resiliente” em Berlim parecia um regresso deste olhar, um protesto em imagens. De Maldoror escreve: “Ela acreditava que o cinema e a poesia formam um caminho para a construção de um mundo mais justo, assim como eu também acredito.” [3] O encontro do cinema e da poesia, como o encontro de filmes numa programação cuja curadoria foi feita com amor, encerra o potencial de mudar as nossas mentes e os nossos corações. Esta experiência faz parte de Ar Condicionado, um filme cujas projeções anteriores assombram os seus cinemas futuros.


[1] Bosma, Film Programming.

[2] Borrmann, Kinofilme: Sehen Statt Glotzen.

[3] Fradique, Monangambé.


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